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Terça-feira, 17 de julho de 2018

Seminário promovido pelo ILEA reafirmou a importância do desenvolvimento científico na construção de projetos nacionais.

A construção de bem-estar social e soberania devem ser o mote dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação, na opinião do professor do Instituto de Informática da UFRGS e pesquisador do CNPq, Sérgio Bampi, Ele foi um dos painelistas no seminário “Desenvolvimento Nacional: Dilemas e Perspectivas”, promovido pelo Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados (Ilea), em maio, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. O debate também teve a participação do professor Luís Fernandes, ex-presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), da deputada estadual Manuela D’Ávila e da socióloga Maira Baumgarten Correa, da UFRGS, com mediação do ex-governador gaúcho Olívio Dutra.

Apesar de acreditar que a maioria das pessoas reconhece a importância da tecnologia e da informação para o desenvolvimento do País, o professor Bampi lamenta que estes temas não façam parte do imaginário da sociedade. Ele cita o exemplo dos EUA, que possuem uma poderosa máquina militar graças ao grande volume de recursos destinados à pesquisa, para mostrar que investir nestas áreas é investir em um projeto de soberania de nação. “O sistema de inovação do Brasil não precisa ser, necessariamente, nacional, mas o seu controle deve ser”, defendeu.

Para Bampi, os investimentos em inovação, ciência e tecnologia devem estar relacionados, diretamente, à construção de bem-estar social. São as relações econômicas, sociais e políticas que devem orientar as escolhas de onde inovar. 

Avanço ou atraso está associado ao nível de sofisticação tecnológica

A socióloga Maira Baumgarten Correa lembrou que, historicamente, no Brasil, as empresas não investem em ciência e tecnologia. “Elas nunca investiram e não se interessam em investir, pois preferem importar tecnologia”, lamentou. “É preciso entender que ciência e tecnologia vêm sendo vistas, no mundo, como o motor da grande competição que leva à supremacia econômica”. 

Na opinião de Baumgarten, a pesquisa científica promove a pesquisa tecnológica que, por sua vez, gera desenvolvimento econômico e desenvolvimento social. “Os pressupostos disso são a ideia de neutralidade e autonomia da ciência, busca da verdade, evolução linear, progresso linear. E essa perspectiva vai relacionar o avanço ou o atraso das sociedades ao nível de sofisticação tecnológica que possuem”, explicou. 

Para a socióloga, as tecnologias são construídas socialmente, influenciadas pelos grupos de consumidores e pelos interesses políticos e econômicos, ou seja, pelos interesses hegemônicos dentro da sociedade. Então, as tecnologias e a inovação, como formas de conhecimento, vão refletir valores e contradições das sociedades em que elas estão presentes. A alternativa, na opinião de Baumgarten, é relacionar os conceitos de ciência, tecnologia e inovação à ideia de carências humanas, buscando a inclusão social, o que pressupõe a articulação entre redes de pesquisadores, atores e coletividades locais. 

O caminho, segundo ela, é pensar no Brasil com suas necessidades e carências sociais, e nos problemas que a tecnologia e a ciência podem resolver, porque aqui as empresas não trabalham com a produção de tecnologia, não investem em pesquisa e, com a exceção das empresas públicas, não estão interessadas em fazê-lo. “As empresas públicas produzem pesquisa e desenvolvimento, e investem em pesquisa e desenvolvimento. As empresas privadas, não. Então, a ideia é trabalhar com um conceito ampliado de inovação, que parte das necessidades e carência da população e produz ciência e tecnologia voltadas a essas carências e necessidades. É preciso que elas sejam pensadas e discutidas socialmente, o que não é feito hoje. Da mesma forma que é necessário possibilitar o debate público sobre ciência e tecnologia, para que se possa, a partir dele, incluir outras pessoas na produção de ciência e tecnologia”, defendeu.

Ela lamenta que no momento atual, por conta dos investimentos decrescentes e das péssimas condições das universidades, “que também estão sendo atacadas”, o Brasil esteja perdendo sua capacidade de produzir ciência e tecnologia. “Quando compramos algum produto, compramos ciência e tecnologia, mas nada disso foi discutido e pensado por nós, porque as pessoas não sabem o que é ciência e tecnologia e nem se interessam em saber. Elas acham que é uma coisa muito árida e que é coisa de cientista, de gente que está em outro mundo, que não é o nosso. Estamos enganados, este é o nosso mundo e temos que, cada vez mais, falar sobre isso.”

Projetos nacionais conseguem se reposicionar na divisão internacional do trabalho

O cientista político Luís Manoel Rebello Fernandes, professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-RJ e do Instituto Rio Branco do Ministério das Relações Exteriores (MRE), abordou os impactos da revolução 4.0 no mundo do trabalho e fez uma retrospectiva da evolução da economia política global desde a segunda metade do século passado. “O próprio conceito de revolução científico- tecnológica foi desenvolvido, inicialmente, nos anos 50 por autores marxistas, e consolidado, na década seguinte, pelas academias dos países socialistas. Eles apontaram a ideia de que estava acontecendo uma ruptura no padrão produtivo no mundo capitalista, com implicações no mundo socialista, e que isso configuraria uma 3ª Revolução Industrial.” 

Para ele, as marcas dessa ruptura tecnológica são, em primeiro lugar, a generalização da automação, fortemente vinculada à cibernética e todas as suas dimensões, e a miniaturização do processo produtivo. A segunda dimensão, na área de química, é o desenvolvimento de materiais mais leves, variáveis, que tornavam mais amplas as possibilidades produtivas desse novo ciclo do desenvolvimento global. E uma terceira dimensão era o surgimento de novas fontes energéticas. Hoje, afirma Fernandes, quando tratamos do advento da sociedade do conhecimento, estamos tratando da potencialização destes três elementos.

O que diferencia esse padrão do que caracterizou a 1ª e a 2ª Revolução Industrial é que a mecanização, principal dinâmica de elevação da produtividade, foi substituída por uma crescente incorporação da ciência e tecnologia. Simultaneamente, explica o professor, houve - e ainda está havendo - uma profunda alteração no mundo do trabalho, ou seja, o trabalho de baixa qualificação foi crescentemente marginalizado ou até expulso do processo industrial, que passou a privilegiar o trabalho das engenharias e técnicos altamente qualificados.

Nos países centrais, esse processo foi acompanhado de um deslocamento do centro do desenvolvimento tecnológico, das universidades e institutos públicos, para as empresas. Segundo Fernandes, o fato de o desenvolvimento tecnológico ter se deslocado para as empresas nos países capitalistas centrais, e a expressiva campanha pela constituição de um regime de propriedade intelectual que prolonga o direito das empresas sobre as tecnologias desenvolvidas, reforçam a assimetria no sistema internacional, porque o conhecimento vai perdendo a sua dimensão pública.

Outra questão fundamental, destacada pelo cientista, é que quase todas as tecnologias de ponta da sociedade do conhecimento foram desenvolvidas, originalmente, para fins militares, com forte financiamento do Estado, mesmo nos países centrais.

Este conjunto de fatores, na opinião dele, inviabilizaria um projeto nacional de desenvolvimento. “O fato, no entanto, é que essa não foi a realidade da evolução da economia política global, porque a dinâmica da financeirização afetou profundamente, e afeta até hoje, a dinâmica das economias capitalistas centrais. Elas se tornaram crescentemente parasitárias, em parte fruto da mobilidade internacional dos investimentos das suas empresas, que procuram, em outras áreas, atividades produtivas mais dinâmicas. Aqui se instituiu uma lógica de desenvolvimento desigual, que é, justamente, o contrário do que nós entendemos, normalmente. Não é subdesenvolvimento da periferia às custas do desenvolvimento do centro, mas a erosão do desenvolvimento do centro, em função da crescente financeirização do circuito de acumulação de capital. Nesse contexto, países da periferia do sistema, que souberam estruturar as suas instituições sobre projetos nacionais de desenvolvimento para explorar as oportunidades dessa nova realidade, lograram um dinamismo econômico mais elevado do que muitos países capitalistas centrais. É o caso da China e da Coréia do Sul. Resumindo, estados que estruturam projetos nacionais conseguem se reposicionar na divisão internacional do trabalho, o que significa que não estamos condenados à divisão internacional do trabalho, que querem nos impor através de uma agenda de liberalização”, explicou. 

Fernandes acredita, em síntese, que países em desenvolvimento, periféricos e semiperiféricos, que estruturam projetos nacionais de desenvolvimento efetivos e que mobilizam o poder dos seus estados para tentar estruturar esses projetos, conseguem enfrentar os desafios e os obstáculos das assimetrias geradas pelo domínio empresarial das tecnologias de fronteira, porque enraízam cadeias produtivas de agregação de valor. 

“A ampliação de inovação e o aumento da produtividade e da competitividade de empresas brasileiras, que enraízem no Brasil as suas cadeias produtivas e de agregação de valor, é parte fundamental de um projeto nacional. Não podemos abrir mão disso, inclusive por razões sociais, porque se queremos redistribuir riqueza, precisamos produzir riqueza. Isso é parte do projeto nacional de desenvolvimento. A grande questão é que - e isso é um balanço crítico que devemos fazer - no nosso governo, que foi interrompido por uma ruptura do processo democrático, nós tivemos seguidas versões de políticas industriais orientadas por essas ideias que estou colocando aqui e, no entanto, os resultados produzidos foram muito limitados. Nós temos que entender o motivo disso”, desafiou. 

Para Fernandes, o financiamento público no Brasil é decisivo para qualquer possibilidade de desenvolvimento, porém  reconhece que “vivemos uma paralisia do sistema público”. Segundo ele, “há um sistema de controle acoplado num sistema judicial, que embute um preconceito liberal na ação do Estado. E qual é a alternativa? O mercado. Só que o mercado, em nenhum lugar do mundo, gerou desenvolvimento. O Estado sempre foi determinante para gerar desenvolvimento, mesmo nos países que hoje são centrais. Então, o que estamos enfrentando é a capacidade punitiva de atores que não foram eleitos para escolher os rumos que o Brasil deve trilhar e que, portanto, não têm legitimidade democrática para impor à nação esse caminho, usando o excesso e o abuso de poder na coação e intimidação do Estado. Precisamos confrontar, seriamente, uma reforma do Estado que o torne um instrumento mais efetivo para promoção do desenvolvimento, da ciência, da tecnologia e da inovação”.

Escolhas políticas

A deputada estadual Manuela D’Ávila destacou que o debate sobre o projeto de desenvolvimento e o tema de ciência, tecnologia e inovação sempre deve estar associado às escolhas políticas que nos fazem percorrer um determinado caminho. “Neste momento de desmonte do País e de sua perspectiva de desenvolvimento como nação, os cortes em ciência e tecnologia também são emblemáticos. Outros países, como Coreia do Sul e Israel, em momentos de crise, incrementam para até 4% do PIB os investimentos em ciência e tecnologia, enquanto o Brasil chega  hoje ao seu pior patamar, com menos de 1%. Nosso orçamento para a área, neste ano, equivale a 40% do valor de 2013”, criticou a deputada.

“É preciso entender os impactos da política macroeconômica na ciência e tecnologia. E parece que questionar juros e câmbio nos torna um apátrida, quando, na verdade, este pode ter sido um dos principais fatores da desestruturação da indústria brasileira, que hoje tem performance inferior à de 1947”, disse.

Texto e foto Daiani Cerezer
 

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